EndoPelvic - Centro Multidisciplinar de Endometriose

Morcelador Uterino: Parecer SBE

No início do ano, a imprensa norte-americana noticiou o caso de uma paciente com 40 anos de idade, submetida a histerectomia supracervical laparoscópica, com a retirada do útero após fragmentação com o uso de morcelador. Inicialmente apresentava-se como hipótese diagnóstica, mioma uterino, mas o resultado do exame anatomopatológico revelou um leiomiossarcoma uterino. Este se apresentou avançado pouco tempo após a cirurgia, manifestação creditada ao processo de fragmentação, piorando o prognóstico da doença. A paciente, junto ao seu marido, cirurgião do mesmo hospital onde foi realizada a cirurgia, iniciaram uma campanha contra o uso dos morceladores, argumentando que seu uso pode prejudicar um número não calculado de mulheres. Conseguiram rapidamente mais do que 3600 assinaturas e fizeram com que o FDA (Food and Drug Administration) publicasse uma nota desencorajando o uso de morceladores para a remoção do corpo uterino ou mesmo de miomas pelo risco de disseminação de tecido tumoral indetectado em pacientes sem suspeita prévia de câncer. Além disso, o principal fabricante de morceladores descartáveis suspendeu a entrega dos mesmos, restando a opção dos instrumentos permanentes, pouco disponíveis na maior parte dos hospitais brasileiros.

A SBE se sensibiliza com a situação desta paciente em especial e de outras que tenham passado por situações semelhantes e reconhece a importância do tópico, mas não sem antes analisar os fatos e os riscos verdadeiramente associados.

Na cirurgia ginecológica, o morcelamento é usado para retirada de tecidos uterinos, permitindo a realização de miomectomias e histerectomias supracervicais laparoscópicas, reduzindo o tamanho destes órgãos, permitindo sua retirada através de pequenas incisões, reduzindo a morbidade de incisões maiores, obtendo os benefícios da cirurgia laparoscópica. Durante este processo pequenos fragmentos podem ser disseminados. Assim sendo, pacientes em programação para a realização de cirurgia minimamente invasiva, seja laparoscópica ou robótica, uma adequada avaliação pré-operatória deve ser realizada, principalmente à procura de doenças uterinas malignas coexistentes. As principais indicações de morcelamento são: mioma uterino (miomectomia ou histerectomia subtotal); adenomiose (histerectomia subtotal); e sangramento uterino anormal (histerectomia subtotal).

Menos do que 1 em cada 1000 mulheres submetidas a histerectomia apresentam coexistência de doença maligna. A Sociedade de Oncologia Ginecológica, dos EUA, reconhece que não há método diagnóstico pré-operatório confiável que diferencie miomas de leiomiosarcomas ou sarcomas estromais endometriais antes de sua remoção. No entanto, estas doenças apresentam um prognóstico reservado mesmo com a remoção intacta da peça. Diferentemente dos sarcomas uterinos, os canceres endometriais e cervicais podem ser mais facilmente diagnosticados ou suspeitados no pré-operatório, apesar de limitações.

Como em todo procedimento cirúrgico, é fundamental uma adequada avaliação pré-operatória o que definirá os melhores tipos e vias cirúrgicas a serem realizadas. Esta avaliação inclui medidas para o diagnóstico de doenças malignas. Desta forma, esta avaliação deve incluir citologia cervical, exames de imagem adequados e avaliação endometrial a depender da apresentação clínica e dos achados de exame. Outros fatores devem ser considerados na indicação da via cirúrgica tais como idade (incidência dos cânceres uterinos aumentam com a idade); período da vida reprodutiva (mulheres na peri ou pós-menopausa com miomas sintomáticos apresentam um maior risco de doença maligna oculta); volume uterino e velocidade de crescimento; tratamentos prévios (tamoxifeno ou radiação prévia); e algumas condições hereditárias (Síndromes de Lynch e da Leiomiomatose Hereditária e Carcinoma de Células Renais). Assim sendo, não recomendamos o uso do morcelador para fragmentação de tecido uterino para pacientes com suspeita de doenças malignas, ou com maior risco para as mesmas de acordo com os critérios acima mencionados. Nestes casos, deve-se utilizar alternativas, tais como a realização da cirurgia por via laparotômica, a cirurgia laparoscópica com realização de mini-laparotomia para extração da peça cirúrgica ou o morcelamento protegido por sacos protetores, impedindo a disseminação intraperitoneal. Contudo, esta última opção tem restrições e limitações que podem aumentar o risco do procedimento. Entretanto, acreditamos que, realizado a adequada avaliação pré-operatória e considerado os riscos, o morcelador tem o seu papel. Seu uso deve ser discutido com as pacientes, informando adequadamente seus riscos, benefícios e alternativas, permitindo uma decisão voluntária, consciente e informada acerca do seu uso. Recomendamos inclusive que os termos de consentimento contenham informações pertinentes.

REFERÊNCIAS:

  • SGO Position Statement: Morcellation, Dezembro 2013 (https://www.sgo.org/newsroom/position-statements-2/morcellation)
  • ACOG 2014 Power Morcellation and Occult Malignancy in Gynecologic Surgery – A Special Report
  • AAGL 2014 Morcellation During Uterine Tissue Extraction
Telemedicina Endopelvic